05 fevereiro 2012

(do sítio do costume)

Já te tinha dito que nunca me tinha saído nada na vida?, repetia-me ele, nem uma raspadinha, uma rifa, euromilhões, nada, zero, niente. Não deixa de ser irónico, foda-se, a Rita podia tar aqui comigo. Ouve, nada contra, és a minha melhor amiga, claro. Mas sabes, ainda me passou pela cabeça dizer-lhe pa vir. Antes de falar contigo, tás a ver. Ao menos fazíamo-lo uma última vez num sítio diferente. Num hotel 4 estrelas. Xi, muito à frente. Olha, azar o dela.
-
Por que é que tás a fazer ares de quem já te passou a neura? És tão urso. Cuidado. Olha pá estrada, meu. Pára aí, quero fumar.
Encostámos numa berma improvisada, mas arrancou de seguida. Parou mais à frente, depois de virar numa cortada. Desligou o motor e aumentou o volume. Muse no CD. Punha sempre Muse quando tava fodido. Olhámos os dois para a escadaria de socalcos à nossa direita e soubemos logo que o cigarro ia saber melhor lá de cima. Descalcei-me e levei os tacões pela mão.
Estava a acabar de me dar lume quando começou a chuviscar.
- Eia bem... já não me lembrava que este cheiro existia.. Faz-me lembrar o cheiro a trigo quente na casa da minha avó..
Ya, a humidade que se libertava da terra seca dilatava-me as narinas. E mesmo àquela distância, conseguia observar o vapor a elevar-se da chapa quente do capot preto do carro do pai do f. A chuva parou segundos depois, mas o CD repetiu-se várias vezes. Ele já tinha amanhado uma garrafa quente de martini e arriscávamo-nos a ficar sem bateria no chaço. Deviam ser umas nove e meia e estava calor como o tava às quatro da tarde.
Acendi mais um. Tens o cabelo à frente, pá. Ainda o queimas., avisou-me, paternalista, desviando-me a madeixa. Não sabia, nem ele nem ninguém, que eu curtia o cabelo assim descaído, para disfarçar as orelhas grandes. Torneei a cabeça para a madeixa voltar ao lugar. Olha que chamuscas o cabelo, loirinha. Esticou a mão e deteve-a junto do meu lóbulo. Senti-o massajar-mo por uns segundos. Depois, espreguiçou os dedos e senti-lhes a firmeza no meu rosto. Acariciou-me a textura dum sinal que tenho junto às sobrancelhas. Puxou-me, puxamo-nos, e ficamos ali a arfar em silêncio, boca com boca, narizes colados. Começou a chuviscar novamente. E de novo, o odor langoroso a terra molhada. Deixamo-nos deslizar e as quatro mãos fizeram, sincronizadamente, o resto. Sentia pequenos tufos de erva refrescarem-me as costas e as nádegas, à medida que sentia o peso do corpo dele pousar no meu. Das costas dele deslizavam fios de água de chuva morna. Não sei dizer se o céu estava estrelado, se a música tocava ainda, se estávamos no mesmo socalco duriense.

2 comentários:

Piggy disse...

Parabens!

Isandes disse...

"Parabéns"? Se me dissesses que a humidade faz a força, lol Beeeeeiiiiijo!