29 dezembro 2010


Para ela, eu estava a ser a última de muitas que se seguiriam. Eu tacteava, hesitava, retrocedia; ela avançava com a fome e a sede de mil noites de exílio. Qui-lo com as janelas e as cortinas escancaradas, para me atirar com a inconfidência das sombras dos prédios opostos e para que eu ouvisse a orquestração viva dos turnos diurnos. Fê-lo para melhor seguir o trilho das estrias das minhas coxas e para não deixar de olhar para as dobras das minhas carnes tão timidamente expostas. Não houve troca de palavras, nem poderia havê-la ali. O verbo tinha vindo antes, muito antes, exorcizados que foram os medos, moralismos e culpas.
Agarrei-me ao sommier que o estrado não tinha e às fantasias pré-fabricadas de um acto ternurento. Depois, como num salto, dei um passo em frente, deixei-me, permiti-me. Nenhum milímetro do meu corpo ficou por lamber, morder ou massajar. Os meus ombros, beijados como um santo milagreiro que se adora por respeito e esperanças, os meus dedos, chupados como quem suga o sangue, o elixir, a fonte de vida. O fantasma da penetração já havia sido expulso. Agora era o momento de dar e receber, de igual para igual, sem colonizadores nem colonizados, sem espadas, sem falos, sem músculos ou barba ou testosterona. Um espelho, um boomerang, uma piscina de água morna no sopé de uma montanha relvada.

1 comentário:

Anónimo disse...

No retrato erótico fica-me o desejo de ser um dos intervenientes.
:)
Bom, muito bom.